Arquivo de 23/03/2011

ARTIGO JURÍDICO

                Hoje vamos analisar um caso em que ocorreu na prática a partir de um questionamento de um amigo de profissão. Determinado contribuinte situado no Rio de Janeiro emitiu nota fiscal para acobertar mercadorias (cadeiras e mesas escolares) sem destaque de ICMS destinadas a Secretaria Estadual de Educação do Estado de Minas Gerais. O Contribuinte do RJ alegou que a operação era imune em virtude das mercadorias serem destinadas a um órgão público. Pois bem, este contribuinte está certo ou errado? Ou seja, as referidas mercadorias devem ser tributadas ou não?

                Primeiramente, é oportuno destacar que as imunidades extensivas aos órgãos estatais dizem respeito a impostos sobre patrimônio, renda e serviços. Porém, como o STF é muito complacente em admitir novas hipóteses de imunidades.

                Há vários casos em que o STF estendeu a imunidade aos impostos indiretos (ICMS e IPI), apesar de balizada doutrina entender de modo diverso.

                De qualquer forma, mesmo que se admitisse a aplicação da imunidade por extensão, no caso em tela continuaria haver a incidência de ICMS. Vejamos as posições doutrinárias sobre o tema.

                Uma primeira posição doutrinária defende a chamada “interpretação de cunho substancial”, em que deve prevalecer a teoria da repercussão, atendendo para seu aspecto econômico. Assim, para esta teoria se o ente público estiver na relação econômica como contribuinte de direito haverá incidência do ICMS e, em sentido contrário, se ente público estiver na relação econômica como contribuinte de fato não haverá incidência de ICMS. O que interessa é se o ente público será onerado pela tributação ou não, do ponto de vista econômico. Por esta teoria, haveria incidência de ICMS no caso em tela.[1]

                 Uma segunda posição doutrinária defende a chamada “interpretação formal” da repercussão tributária, em que deve prevalecer a relação jurídica tributária prevista em lei. Assim, o contribuinte de fato não é levado em consideração para aplicação  da regra imunizante. Por esta teoria, haveria incidência de ICMS no caso em questão.[2]

                Inicialmente, o STF adotou a teoria da interpretação de cunho substancial, porém há muito tempo consolidou sua jurisprudência em sentido contrário, abraçando a idéia da interpretação formal da repercussão tributária, estabelecendo a aplicação da imunidade somente se o ente público for contribuinte de direito.

                Desta forma, entendemos que no caso analisado haverá a incidência de ICMS, uma vez que a hipótese do ente público ser o destinatário das mercadorias (contribuinte de fato) não permite a aplicação da regra imunizante.

 

Rio de Janeiro, 23 de março de 2011.

 

Paulo Isaias do Amaral Menezes

                  

 


[1] RE n° 68.215; RMS n° 17.380; RE n° 68.450; STF

[2] RE n° 68.741; súmula n° 591; STF

Este parecer foi elaborado sobre uma hipótese genérica, que pode ser amoldada a qualquer caso concreto que guarde simetria. A idéia é passar a orientação doutrinária e jurisprudencial sobre o assunto  para o aluno sob a forma de parecer fiscal.

Bons estudos a todos!

 

 

PARECER FISCAL

 

                Empresa situada no Rio de Janeiro, do setor comercial varejista, solicitou PARECER FISCAL sobre a constitucionalidade de Lei Estadual que prevê a glosa de créditos fiscais nas aquisições de mercadorias provenientes do Estado de São Paulo, visto que estas mercadorias gozam de incentivos fiscais concedidos por meio de Lei do Estado de São Paulo, sem a devida anuência do CONFAZ, nos termos da LC n° 24/75. Posto isso, apresenta os seguintes quesitos:

1)       A Lei que prevê a glosa dos créditos fiscais é constitucional?

2)       Sendo esta lei inconstitucional, como o contribuinte deve agir para evitar que seja onerado ilegalmente?

3)       Sendo a lei do Estado de SP inconstitucional, o Estado do Rio de Janeiro arcará com os prejuízos ?

                Diante dos questionamentos vamos analisar a questão e emitir opinião técnica sobre o tema.

DOS FATOS.

                Algumas mercadorias no Estado de São Paulo gozam de incentivos fiscais obtidos por meio de Lei Estadual, em desacordo com a anuência do CONFAZ. Assim, quando estas mercadorias são enviadas ao Estado do Rio de Janeiro destaca-se na nota fiscal o ICMS devido a alíquota de 12%, porém na prática o ICMS recolhido é inferior dependendo do desconto concedido a título de incentivo fiscal.

                Ocorre que o contribuinte do RJ não pode se creditar do valor do ICMS destacado na nota fiscal, em virtude de previsão da Lei estadual do RJ, devendo se creditar do valor efetivamente recolhido pelo contribuinte paulista aos cofres de seu estado.

DO DIREITO.

 

                Inicialmente é oportuno destacar que os incentivos fiscais, no caso do ICMS, só podem ser concedidos nos termos da LC n° 24/75, conforme artigos 1° e 2°, da seguinte forma:

 

 

Art. 1º – As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei.

Parágrafo único – O disposto neste artigo também se aplica:

I – à redução da base de cálculo;

II – à devolução total ou parcial, direta ou indireta, condicionada ou não, do tributo, ao contribuinte, a responsável ou a terceiros;

III – à concessão de créditos presumidos;

IV – à quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos com base no Imposto de Circulação de Mercadorias, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus;

V – às prorrogações e às extensões das isenções vigentes nesta data.

Art. 2º – Os convênios a que alude o art. 1º, serão celebrados em reuniões para as quais tenham sido convocados representantes de todos os Estados e do Distrito Federal, sob a presidência de representantes do Governo federal.

§ 1º – As reuniões se realizarão com a presença de representantes da maioria das Unidades da Federação.

§ 2º – A concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unânime dos Estados representados; a sua revogação total ou parcial dependerá de aprovação de quatro quintos, pelo menos, dos representantes presentes.

§ 3º – Dentro de 10 (dez) dias, contados da data final da reunião a que se refere este artigo, a resolução nela adotada será publicada no Diário Oficial da União.

 

Esta necessidade tem previsão constitucional no artigo 155, §2°, XII, g,

Assim, a Lei do Estado de SP que institui incentivos fiscais sem seguir as orientações da LC 24/75 e da Constituição Federal é flagrantemente inconstitucional.

Este entendimento é corroborado pelo STF em vários julgados. A título de ilustração apresentamos a ementa da ADI n° 3.809-5:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 8.366, DE 7 DE JULHO DE 2006, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. LEI QUE INSTITUI INCENTIVO FISCAL PARA AS EMPRESAS QUE CONTRATAREM APENADOS E EGRESSOS. MATÉRIA DE ÍNDOLE TRIBUTÁRIA E NÃO ORÇAMENTÁRIA. A CONCESSÃO UNILATERAL DE BENEFÍCIOS FISCAIS, SEM A PRÉVIA CELEBRAÇÃO DE CONVÊNIO INTERGOVERNAMENTAL, AFRONTA AO DISPOSTO NO ARTIGO 155, § 2º, XII, G, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. A lei instituidora de incentivo fiscal para as empresas que contratarem apenados e egressos no Estado do Espírito Santo não consubstancia matéria orçamentária. Assim, não subsiste a alegação, do requerente, de que a iniciativa seria reservada ao Chefe do Poder Executivo. 2. O texto normativo capixaba efetivamente viola o disposto no artigo 155, § 2º, inciso XII, alínea “g”, Constituição do Brasil, ao conceder isenções fiscais às empresas que contratarem apenados e egressos no Estado do Espírito Santo. A lei atacada admite a concessão de incentivos mediante desconto percentual na alíquota do ICMS, que será proporcional ao número de empregados admitidos. 3. Pacífico o entendimento desta Corte no sentido de que a concessão unilateral de benefícios fiscais relativos ao ICMS, sem a prévia celebração de convênio intergovernamental, nos termos do que dispõe a LC 24/75, afronta ao disposto no artigo 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição Federal. Precedentes. 4. Ação direta julgada procedente para declarar inconstitucional a Lei n. 8.366, de 7 de julho de 2006, do Estado do Espírito Santo. [grifos nossos].

Vencida esta questão, passemos a analisar a constitucionalidade da Lei do Estado do RJ que previu a glosa dos créditos fiscais nas operações mencionadas.

A princípio alguns autores defendem que o Estado do Rio de Janeiro ao glosar os créditos fiscais que efetivamente não foram recolhidos na etapa anterior apenas estaria atendendo ao princípio constitucional da não-cumulatividade; outros autores, porém defendem o contrário.

Apesar de defendermos a primeira tese, não vamos ingressar nesta celeuma, visto que a Lei em análise é flagrantemente inconstitucional por vício formal.  

A alíquota interestadual é fixada pelo Senado Federal, conforme artigo 155, §2°, IV da Constituição de 1988. Assim, pretender o Estado do Rio de Janeiro por meio de lei estadual modificar a alíquota interestadual é usurpar a competência do Senado Federal. Ora se o contribuinte do RJ só pode se apropriar do crédito que o RJ determina, é como se o próprio Estado do Rio de Janeiro estivesse estabelecendo a alíquota a ser aplicada nas referidas transações comerciais.

DA CONCLUSÃO.

    Diante de tudo aqui analisado, concluo o presente PARECER FISCAL respondendo a cada quesito apresentado.

1º Quesito ) Sim, a Lei do Estado do Rio de Janeiro que prevê a glosa dos créditos fiscais é inconstitucional, por vício formal, uma vez que o estado do Rio de Janeiro ao prever  o valor a ser creditado está usurpando competência do Senado Federal. Este entendimento encontra respaldo no STF (ADI n° 3.312-3).

2° Quesito) O contribuinte deve se insurgir contra a cobrança ilegal, questionando a inconstitucionalidade da referida lei (controle de constitucionalidade difuso). A ação tributária deve ser cumulada com a repetição de indébito dos valores pagos indevidamente. Sem a atuação do Poder Judiciário, o contribuinte arcará com os prejuízos decorrentes de benefícios fiscais concedidos por outro Ente da Federação em desacordo com a LC 24/75.

3° Quesito) O Estado do Rio de Janeiro deve recorrer ao Poder Judiciário a fim de que seja declarada a lei paulista inconstitucional.

Rio de Janeiro, 23 de março de 2011.

Paulo Isaias do Amaral Menezes.